sexta-feira, 18 de julho de 2008

[Ensaio] Uma prece a Dionísio

Um pouco de mitologia grega. Dionísio, associado às festas, ao vinho, ao lazer e ao prazer, foi o único deus do panteão grego filho de um mortal. Segundo a mitologia, a divindade ordenou que lhe trouxessem uma bebida que alegrasse e inebriasse os sentidos. Experimentou de tudo, mas não se sentiu satisfeito até descobrir o vinho – ficou encantado com suas cores e nuances, ao mesmo tempo em que sentia sua textura e o aroma de fruta exalado pela bebida. Quando a bebida tocou seus lábios, sentiu a maciez do corpo do vinho e percebeu seu sabor único, suave e embriagador, num prazer singular. Sentiu o buquê, resultante do envelhecimento do vinho, e percebeu seu gosto mudando, como se abrisse com o tempo, enquanto descansava em sua taça, delirando com as sensações finais deixadas pelo vinho na boca. De tão alegre, Dionísio passou a abençoar e a proteger todo aquele que produzisse bebida tão divinal, sendo adorado como deus do vinho e da alegria. De fato, cada vinho possui sua personalidade, sua origem, sua gestação, sua idade, sua história – nenhum vinho é absolutamente igual, basta saber degustá-lo.

Para aproveitar essa característica singular em sua plenitude, surge a necessidade de se compreender melhor o que se está degustando – e aí, permito-me dizer que apreciar um bom vinho é como relacionar-se com uma mulher madura: se você não estiver preparado para seus prazeres, talvez não aproveite metade do que lhe é oferecido, ou talvez se apaixone cegamente, como se houvesse descoberto uma nova dimensão em sua vida, até então desconhecida – e antes que me acusem de machismo, pela comparação, manifesto minha admiração tanto pelos bons vinhos, quanto pelas mulheres maduras. Não que a firmeza da juventude também não tenha seus encantos, mas o amadurecimento é um processo delicado, cheio de detalhes, cuidados, tempos e repousos, que no fim podem resultar no mais sublime prazer, ou no mais acre vinagre. O amadurecimento mal feito pode resultar num buquê amadeirado demais, envelhecido demais, ácido demais, bouchonneé, adstringente, ou mesmo cru demais – e inexiste virtude em algo que seja ‘demais’. Assim como acontece com o vinho, algumas mulheres têm sua plenitude na idade mais tenra, firme e fechada, enquanto outras necessitarão de um período de maturação mais cuidadoso, para atingir todo seu potencial – quem nunca se deparou, tempos depois, com uma das musas da adolescência já sem qualquer sombra do esplendor de outrora, ou mesmo o contrário: a menina que não chamava a atenção de ninguém aos quinze anos, mas que aos vinte e nove exibe uma sensualidade pungente?!

Cada mulher tem sua personalidade, cada vinho tem sua história, e cada mulher tem seu próprio vinho - sim, há uma espécie de simbiose, de relacionamento, de cumplicidade entre uma personalidade e a outra – um ponto em comum entre seus segredos mais íntimos, talvez. Astrologia? Psicologia? Química? Enofilogia? Bom, prefiro manter-me simplesmente na análise empírica – tentativas e acertos em combinações de possibilidades infinitas. Tomar um vinho com uma mulher não é simplesmente convidá-la para beber, ou para bater papo; é conhecê-la intimamente, é desvendar seus segredos, compreender seus mistérios...mas isso só acontece com o vinho certo, aquele de sua personalidade e no momento certo - o tempo exato que trás uma correlação de sentidos, desejos, texturas e aromas, e é neste exato momento que um prazer metafísico lhes tocará, como Dionísio sorrindo e abençoando seus devotos. Degustar um bom vinho com uma mulher de valor não é o mesmo que degustar um vinho de valor com uma mulher boa – tudo depende do momento e dos objetivos – e creio que a esta altura do texto, você já tenha imaginado a melhor forma de elaborar sua própria prece a Dionísio.

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Caso a colocação de alguma palavra tenha lhe parecido estranha, um glossário pode ajudar: http://www.academiadovinho.com.br/biblioteca/glossari.htm

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom o texto!
Vou por seu link no meu blog, ok?

Gustavo Martins disse...

Saaaalve Fidel!

O Victor tinha falado do seu blog mas eu só vi agora. Está ótimo, sensacional!

Vou comentar lá no MCP e lincar, e vamos borbulhar sua audiência.

Abração!

.beatriz moiana. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
.beatriz moiana. disse...

.maravilhoso texto.salve Dionísio.salve seus vinhos e suas mulheres.

Anônimo disse...

Muito lindo esse texto, perfeito e define bem uma mulher e um bom vinho...tudo a seu tempo e a sua hora!
parabéns querido!
beijos

Thiago Assunção disse...

Apesar de sempre ter tido uma idéia pejorativa de Dionísio, pois não sou nada niilista nem nietzscheniano (gosto mesmo é de Apolo), o texto ficou excelente, muito criativo.
Aliás, com ele vc conquista qualquer uma Carioca! Mulher boa e/ou de valor... rs.
Abraço!