domingo, 19 de julho de 2009

[Conto] Tobias perdeu a alma!

Tobias era apenas mais um dígito, desses que carrega no peito o mais puro humor negro e na cara um desesperado sorriso amarelo. Não era timidez, era falta de inspiração - seu sopro de personalidade havia sumido um dia, não se sabe qual, nem quando, nem porque. Acordava todo dia no mesmo horário, comprava pão, ia pro trabalho, separava o lixo, ia à missa - tudo sem inspiração, sem transpiração, sem motivo. Desde o dia que perdeu a alma (não se sabe quando!), não elevava a voz, não reclamava, não se surpreendia. Como bom cordeiro, seguia do estábulo para o campo onde pastava, e com o mesmo rigor voltava do trabalho para casa. Tobias não fazia sexo, porque tinha sido emasculado pelo cotidiano. Trabalhava no trabalho e em casa, mas não sabia até quando. Um violão sem cordas, um anzol sem isca, um brinquedo sem criança. Tobias não vendeu a alma, não trocou por outra, nem se desfez dela - simplesmente a perdeu um dia, sem se dar conta, como quem perde um isqueiro.

terça-feira, 30 de junho de 2009

[Conto curto] Instante estanque

Olhou o relógio e se apressou inutilmente. Toda incerteza tem a habilidade de se condensar em um instante sem correspondência real, numa composição dadaísta de vazio e silêncio. Uma gota de suor lhe nasceu na testa. Por mais que tivesse a dizer, seu palato era um trapézio de palavras; as ideias jogavam malabares em seu estômago; as pupilas dilatavam.

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- É grave, Doutor?

- Suspeita de AVC, senhora!


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