Nem sou tão velho quanto meu arcaísmo possa parecer, mas pode-se dizer que eu seja do tempo em que, no Brasil, telefone era artigo de luxo, e ir ao boteco mais próximo comprar uma ficha ou freqüentar o orelhão da esquina era um ato corriqueiro, extremamente comum. Os grupos de amigos eram mais próximos, todos no bairro se conheciam (ou ao menos conheciam alguém em comum), e quando era necessário falar com um desses amigos era só bater na porta da casa da pessoa, assoviar da janela, ou freqüentar os lugares costumeiros – muitas vezes tão próximos quanto o próximo orelhão! A geração de meus pais viveu isso mais intensamente, eu vivi exatamente na transição. Quando se queria falar com alguém distante, escrevia-se uma longa e cortês carta, perguntando como estava a vida da pessoa, contando o que se gostaria de contar, partilhando sentimentos. Tudo acontecia com mais calma, tudo era menos imediato, e talvez até mesmo por todo trabalho que se tinha para entrar em contato com uma pessoa, tais encontros fossem mais valorizados.
Hoje o progresso chegou, e cada um carrega seu aparelho telefônico no próprio bolso, pra onde for; consegue-se falar com qualquer parte do mundo mesmo estando nos lugares mais remotos, numa praia deserta, ou numa montanha, no meio do mato...coisa inimaginável no tempo remoto a que me referi anteriormente. Qualquer assalariado, qualquer criança, qualquer idoso possui celular – e muitas vezes, numa dessas ironias de que só a vida é capaz, o celular do ascensorista do prédio onde você trabalha possui mais funções do que o seu! Além dos telefones, surgiram vários outros meios de ser encontrado, como MSN, Skype, Orkut, e tantas outras possibilidades. Tudo aparentemente ótimo, perfeito, se não fossem aqueles malditos detalhes que só percebemos ao olhar a situação por outro aspecto – e hoje, a maldita internet não está funcionando.
Muito se fala sobre a artificialização das relações.humanas, da cultura fast food, do imediatismo que nos atinge em cheio. Um dos aspectos dessa transformação é justamente a evolução das telecomunicações, e do papel que a cultura publicitária atribuiu aos meios de comunicação na vida das pessoas. Conheço pessoas que deixam o computador e o Messenger ligados o dia inteiro, mesmo que não estejam próximos a ele, como se fosse uma secretária eletrônica, e já ouvi falar de pessoas que inclusive dormem com o celular ligado do lado da cama! Quantas pessoas recarregam o celular antes que a bateria acabe completamente?! Quem nunca viu, num restaurante qualquer do centro da cidade, uma pessoa com cara de afoita com dois celulares de prontidão sobre a mesa, na hora do almoço?! Sejam quais forem os motivos, profissionais ou não, o fato é que a tecnologia evoluiu e passou a ditar o ritmo das pessoas, não mais estando a seu serviço, mas escravizando-as. E não foi necessário o advento da inteligência artificial, como no filme Matrix, para que isso tenha ocorrido: os apelos comerciais e a falta de reflexão das pessoas sobre os limites do ponderável escravizaram boa parte da população mundial, sem que ninguém percebesse. O horário de almoço não é mais o merecido intervalo entre os expedientes, a hora do sono não é mais um momento sagrado – estamos de prontidão, disponíveis, como que numa eterna espera de uma ligação importante. Seja de amigos, da família, do grande amor, ou do chefe; não importa, no nosso tempo estamos constantemente de plantão, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana!
A grande pergunta se divide em duas: primeiro, é necessário tudo isso? Segundo, essa disponibilidade toda é boa? Sinceramente, ainda não sei responder...
Um comentário:
Também não sei! Só sei que fiquei uma semana sem celular e não fez tanta falta, a não ser pela agenda.
Além disso não me obrigo a atendê-lo, nem a ficar ao lado o tempo todo, e por muitas vezes o mantenho desligado.
Gostei do seu blog, vou voltar aqui mais vezes.
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