Depois de três anos, Sandra Mara acordou. Abriu os olhos lentamente, ainda não acostumados à luz do dia, identificou o quarto à sua volta, mas não o reconheceu - era seu quarto, aquele que arrumava todos os dias, assim como o resto da casa, mas tudo lhe era estranho. Olhou as roupas do marido espalhadas sobre a cama, a toalha pendurada na porta do banheiro, e percebeu que, por algum motivo, ali não era mais o seu lugar. Aversão pura e simples de fêmea insatisfeita; sem brigas, sem traições, sem mágoas - apenas o desejo incontido de oferecer seu ventre e sua plenitude a outro homem, que ainda não conhecia - sim, ainda havia tempo! Seu marido jamais compreenderia. Perguntaria se tem outro, se estava magoada com algo, se queria viajar para a praia, se estava tudo bem no emprego - mas nunca seria capaz de assimilar que aquele amor acabou, através de um sentimento singelo e sem culpa de 'não-amor': talvez um amor de amigo; e para ele, em seu modo pragmático de enxergar, nada mais obscuro do que o simples deixar de sentir. Ou tem amor, ou desprezo; ou é paixão, ou ódio; ou tesão, ou aversão. Enquanto para ele o amor era algo eterno e inabalável, para ela havia acabado de se mostrar efêmero e aleatório, naquela manhã ensolarada de um dia qualquer - a intensão de parecer viver um conto de fadas se desfez, e ela percebeu que ninguém é feliz para sempre. Decidiu contar-lhe tudo no jantar de sexta-feira. Ele chorou, declarou seu amor e foi pateticamente estúpido, alternando entre as três reações quase que dentro do mesmo espaço de tempo. Fez várias perguntas, não acreditou em nenhuma das respostas; afirmou que sem ela não poderia viver, que não saberia como viver sozinho. Disse, como quem se rende ao inimigo, que o divórcio é pior que a morte. Mas Sandra Mara era o vazio agoniante e frio de uma noite no deserto.
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35 comentários:
Escrito numa manhã de sábado, sem releitura, sem revisão, quase que em apnéia...erros de portugues talvez façam parte do pacote!
"Fez várias perguntas, não acreditou em nenhuma das respostas"
É porque não há respostas. Não se justifica o amor, muito menos o não-amor. Acontece.
muito bom!
bjos
bom comentário tb
não há respostas
A gente sempre acredita piamente que, findo o amor, todo o resto finda. Que a vida vira quase-morte quando o outro vai embora. Que chorar, blasfemar, implorar, vão amortecer a sensação de impotência e vazio - mas toda a dor, por mais que pareça insuplantável e insuportável, é apenas um instante. Apenas uma dor. Passa. Há outros amores - e outras dores - por se insinuarem em alguma outra esquina do caminho.
E há respostas, sim. Sempre há, mas nem sempre são o que a gente quer ouvir. Cada um as guarda no peito. E cabe a cada um decidir que destino dar a elas: ou usá-las para vendar os olhos, ou usá-las para se fortalecer e seguir em frente.
Muito bom o conto.
Beijões, Dan.
Gostei desse espaço, Daniel!
Agora, que história é essa do amor ser eterno e inabalável pra ele e pra ela... sei não. rsrsrs
PS: podias desabilitar essas letrinhas chatíssimas aqui nos comments? rs
maravilhoso.
Isso acontece não só com o amor, mas com muitas coisas. Coisas que antes eram quase obcessões, tb se dissolvem em "plufts". Adorei.
Eterno e inabalável MESMO!!!
Bjos
Uau lindo texto.
Forte e realista.
Abraço.
Passei aqui pra conhecer teu blog e tive de ler vários textos. São muito bons, como vc já deve saber.
Este conto, Interseções, me pareceu familiar. Eu me identifiquei de alguma forma com ele, talvez pela vontade de ter sido sincera como ela
Voltarei mais vezes, com certeza!
Beijos!
ATUALIZEI LÁ RAPAZ!!!
beijão
Maria: com certeza, se não há respostas, não há no que acreditar...
Gabi: Obrigado!
Flávia: E será que essas respostas são suficientes para identificar tudo que não deu certo? Ainda bem que existirão outros amores, e outras dores, para tomar lugar de uma nova...
Filó: será que essas visões sobre o amor não identificam apenas um momento? Amando, não-amando...
Letrinhas desabilitadas!
Lisa: Concordo contigo! As vezes o amadurecimento tem ritmos diferentes para cada pessoa...por si só já é motivo para mudar os caminhos...
Késia: Eterno e inabalável, mesmo quando termina??
Boa noite cinderela: Obrigado!
Lee Holloway: As vezes a sinceridade não é só a melhor opção, é a única! E tem estágios que, se não houver essa sinceridade, o respeito é quem acaba indo pro vinagre...
È cruel mas é a realidade de hoje né!
bjo
Obrigada pela visita :)
Beijo meu ♥,
A Elite
oiaa q niindooo :)
Para Sandra Mara: de repente o despertar!
"Ele chorou, declarou seu amor e foi pateticamente estúpido"... eu diria "poéticamente estúpido". Esse momento de desespero é lindo. A tristeza do amor pelo avesso fora tantas vezes cantada em versos e prosa e é tão gostoso de sentir que aquele que é deixado resiste sempre em ter uma melhora. Não, não tiro por mim... não mais!
Ahh quantas brasileiras são como a Sandra Mara.. que depois de anos acordam.. e ninguém acredita que a revolução foi perceber que a vida precisava de mudanças.. o marido sempre vai achar que existe um outro... que não existe..mas que vai existir..
Gostei daqui.
;)
mulher quando quer muito é uma coisa... mas quando não quer mais... é pior ainda!
oi, dani,
temos um presente pra vc!
bjs da fê =D
Adoreii o conto !
Bjs =*
é sempre assim, elas nos arrasam, e se vão.
Ahh todo mundo tem um poquim de Sandra Mara nas veias. Gostei.
PS: Tua foto me mata. Muito sexy ;)
cara....quem nunca passou por uma situação dessas???
lendo isso me lembrei de mim mesma, algumas vezes no lugar dela, outras no lugar dele.....
tá ótimo, mesmo sem revisão.rs
bjs!
Camila: Cruel, pq? Se pensarmos que tudo tem um começo, meio e fim, a separação passa a ser um momento sublime...o ponto final também faz parte da poesia!
Charlotte: não imagino definição melhor que despertar, abrir os olhos e ver que algo mudou...
Milena: o poético e o patético muitas vezes andam de mãos dadas por aí...concordo contigo, a cena, em si, já diz tudo...
Luci: mais importante que existir o 'outro', é existir o 'eu'...a vida continua!
Casalqseama: Adorei o presente! Já tá no blog!
Extase: as vezes também arrasamos elas, depende da hora...o fato é que nunca ficamos para ver o estrago!
Mary: Foto? Hum...conversamos pessoalmente depois...
Bem Resolvida: só não passaram por essa as vovós, da época em que separação era tabu...mas duvido muito que seriam 'bem-resolvidas', caso acontecesse...rs!
E q as suas "faltas de releitura" resultem sempre em textos assim...
Bjs
os velhos retratos despertam no mínimo um mal estar... rsrs.
Mas é estranho mesmo. Ainda mais com esse lance de fotos digitais, temos fotos com pessoas que vimos uma vez só na vida. Muito estranho.
Estranho é olhar as fotos e não reconhecer quem esteve ao nosso lado...
Sandra Mara é mais corajosa que eu, um dia pretendo agir como ela.
MUito bom!
Gostei daqui :)
Sims im cada pedaço de meus contos tem sua particualaridade! =)
beijo
Querido, eu avisei: entrou, Filó linka! rsrsrs
Estás definitivamente na listinha das minhas (boas) experiências.
Beijos
Respostas, respostas e mais respostas!!!
E pensar que Saramago, fala que não são as repostas, mas o TEMPO da pergunta.
Uia.
Linkadíssimo, com o nome costurado dentro da boca do sapo e tudo!
Risos.
Adorei o texto! Uma realidade contada de forma bem interessante!
Obrigada pela visita :)
beeijos!
Lispectoriano,parabéns.
Olá, estou só de passagem pra vc nunca me esquecer,rssss,,,,
Bom fim de semana, Mariana
Eu espero que o amor -da pessoa que me ama- não acabe assim um dia.
É menos doloroso, mas é sempre melhor ter algum sentimento.
A apatia a indiferença é o pior de todos os sentimentos.
=*
Charlotte: o lance foto vulgarizou mesmo, hoje em dia pra tirar uma foto é moleza, ainda mais pq não se gasta um centavo a mais...antes tinha a revelação, o filme...
Sandra Mara não tem coragem, tem instinto de sobrevivência!
Kesia, Letícia, Filó, Amelie, Marcela, Marcia: Obrigado!
Mariana: pode ficar tranquila, nunca esqueço!
Adrielly: mas não é melhor justamente ter vários sentimentos, e não só alguns?! A apatia é inevitável...
Mulheres são seres cruéia e fascinantes.
Faz a continuação, em que o deserto de Sandramara floresceu!
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