Óbvio que a liberdade física é um dos principais signos da dignidade. Mas existem correntes que só podem ser rompidas dentro de nós mesmos. O homem é um ser racional justamente por conseguir encontrar soluções indefinidas para seus problemas – diferente de um cachorro, que depois de adestrado passa a responder de forma ainda mais previsível que o normal – seu universo de escolhas são meramente instintivos, dependem de estímulos externos. O cachorro pode sair pela rua, andando aleatoriamente – pode até mesmo ampliar seus horizontes, perambulando por ruas desconhecidas – e depois da jornada ainda pode voltar pra casa, ou continuar na rua; mas nunca decidirá poupar um pouco de sua ração por mês, para angariar fundos e conhecer a Indonésia, nem se interessará mais por cadelas que leiam Dostoievski do que pelas que passem horas se enfeitando no Pet-shop. Até um pouco além disso: Santo Agostinho diferencia Liberdade e Livre-arbítrio, este sendo uma faculdade livre de eleição, independente dos conceitos axiológicos, enquanto a liberdade é o livre-arbítrio usado para construir algo – para o padre filósofo, só somos livres quando buscamos o ‘bem’. Não adianta apenas agir de acordo com a vontade. Hegel sorri mais uma vez, incógnito – “A liberdade é a necessidade compreendida”! Juntando as peças: podemos levar a vida como bois no pasto, ou mesmo como cães vadios; podemos tomar decisões pautadas na nossa própria satisfação, sem muitas considerações externas; ou podemos agir coordenadamente, raciocinando sobre o maior número de hipóteses possíveis (questão de capacidade individual). A escolha, sobretudo enquanto ‘processo’ de escolha – ou melhor: a consciência da escolha. A liberdade não é um status, nem mesmo uma idéia: é um movimento contínuo, autoconstrutivo, onde o indivíduo nunca o é plenamente – apenas ‘vai sendo’, no decorrer de seu exercício. Age livremente. O indivíduo é o processo de sua própria liberdade – e por ser processo, se deixar de exercê-la, volta a pastar! No meio campo, Kierkgaard corre pra linha de fundo e cruza: ninguém quer ser ‘o pior’ possível, apenas o é quando não encontra em sua consciência a resposta que necessita – ao tomar consciência do ‘erro’, reconhecendo-o como tal, o reflexo natural é repará-lo ou ao menos deixar de praticá-lo – evoluir! É a sabedoria popular: “errar é humano, insistir é burrice”! Nascemos pedra bruta, a vida nos dá a erosão, o clima nos influencia, e nós vamos lapidando nossa própria consciência de acordo com as ferramentas que encontramos pelo caminho. Alguns têm as mãos vazias, outros carregam marretas, outros marretas e cinzéis: cada qual com o que conseguiu juntar pelo caminho. É a diferença entre ter filhos aleatoriamente, escolher ter no máximo dois, ou não ter nenhum. É a escolha da profissão, dos amigos, e do banco onde poupar para a aposentadoria. É escolher entre ir à pé, de carro, ou de bicicleta. É escolher entre almoçar salada, um prato refinado, ou o junkie food. É decidir ler algo interessante, preparar um bolo, ou ficar assistindo novela. Enfim, é a escolha – e sua consciência que diga qual é a melhor em cada caso!
“A liberdade é a necessidade compreendida”, exclama mais uma vez o alemão! Sim, é ‘compreendida’, pois é absorvida por um processo racional de escolhas; é ‘necessidade’, pois a vontade é imprescindível no processo de escolha – e só a sua própria consciência poderá lhe indicar o que é ou não necessário! A necessidade sem compreensão é imposta, logo não é livre – e a compreensão sem a necessidade dificilmente alimenta a ‘praxis’ que impulsiona o movimento. O eixo do motor da liberdade está na compreensão – e como motor, precisa de um combustível: a escolha consciente, mais uma vez! Raciocinemos, então! Cada letra, cada vírgula, cada ponto final! Cada gole de cerveja, cada noitada, cada história. É a sua escolha – e só ela – quem lhe dará as ferramentas necessárias para soltar os grilhões que lhe acorrentam o tornozelo ao solo. Cada escolha, consciente ou não, lhe dará uma nova ferramenta e cabe a você aproveitá-la ou não. Pense, aceite, altere, negue ou recuse, mas escolha. Escolha antes que alguém escolha por você. A coletividade é a Esfinge, de prontidão, enigmática: “decifra-me, ou te devoro”. Seja livre, conheça-se, pense e exista! Enfim, liberte-se!
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